CAIXA DOS FÓSFOROS
quarta-feira, maio 17, 2006
  Pausing Time

Como já toda a gente terá reparado estamos um pouco mmmm paraditos.

Paraditos mas não mortitos,sabem como é, trabalho, dinheiro , stress,cidade.
Ilustradora e escritor cada um para seu lado a tentar sobreviver.Paciencia que em breve voltaremos com novidades.
Nos entretantos podem sempre ir espreitando para o meu blog gráfico e comentar as imagens, esta ilustradora agradece os feedbacks.

Zarzanga:)
 
quinta-feira, março 23, 2006
  MUITO DA PRIMAVERA


"Eu gosto muito da primavera. A primavera é muito bonita e há muitas flores. Na última primavera, fui visitar os meus avós a castro meirim. Os meus avós estão sempre deitados na cama e cheiram a pó talco. Eu não me importava de também estar sempre deitado, a mãe a trazer-me leite com chocolate à cama, com o cartoon network ligado, a playstation e o joão. A mãe diz que, se não fossem os meus avós, eu não existia, e eu respondo está bem. Depois o meu avô diz que lhe doem as costas e o meu pai ajuda-o a mudar de posição. O meu avô é um homem preguiçoso. E se as costas do meu pai doessem, quem é que o ajudava a ele? Disse ao meu pai devias obrigar o avô a mexer-se sozinho, só que o meu pai faz uma cara estranha, esfrega-me duas festinhas na cabeça e responde sempre quando fores grande, explico-te. Se me ponho com muitas perguntas, então ele manda-me brincar na rua, o que é um alívio! Já tinha aprendido este truque; fazer perguntas e ir brincar para a rua; o problema é que me esqueço sempre de o empregar. Mas nesta primavera, fiquei muito menos tempo dentro do quarto dos meus avós; perguntei à mãe se não se chateava por a minha avó só saber gritar. Não diz uma palavra. É só gritos, gritos, gritos. Se quer gritar, porque é que não vai para uma banda heavy metal? Dentro do quarto é que não. E nem sequer se podem abrir as janelas! Mal vê um rasgo de sol pelas persianas, a avó põe-se logo aos gritos. Mas pronto: faz-se uma pergunta e vai-se brincar para a rua. O problema é que os rapazes de aqui são uns burros! Não sabem o que é o metro, ou a cartoon network, e ficam boquiabertos ao verem a minha playstation. Não há paciência para explicar todas estas coisas! E as únicas coisas que sabem fazer é dar pontapés nas pedras e fingirem que andam à pancada, aos gritos de um lado para o outro. Prefiro voltar para casa e ver a praça da alegria, com os velhos todos contentes na rtp a dançarem o vira, a falar dos santinhos da páscoa, a tentarem ver as mamas da namorada do cristiano ronaldo ou a fingirem que estão muito atentos à babosice do... do outro. No final de tudo isto, vem o almoço de páscoa. Tem que ser no quarto dos avós, é claro, a cheirar a pó talco e de janelas fechadas, porque eles não se levantam nem para ir à casa de banho. Bifes com batatas fritas, coca cola, e à sobremesa gelado de morango, daqueles que se compram no modelo. Mais uns beijinhos aqui, recomendações à enfermeira que ficou a lavar a loiça, e bye bye, gram’pa."
 
segunda-feira, março 20, 2006
  DICOTOMIA
à bia





Era uma vez um rapaz que era dois. Um deles nunca tinha lembranças do outro, e o que é mais, um nunca tinha influência na vida do outro; cada um era o que era por separado e assim, com uma assombrosa pontualidade, a pontualidade com que os astros marcam o solstício, dava-se a estranha metamorfose. Na primavera, e mais ainda no verão, poderia garantir-se que este rapaz era o sol; mas no Outono, e mais ainda no Inverno, este rapaz era indubitavelmente a lua: a sua pele ficava pálida e os seus cabelos transformavam-se em arame, com calas brancas e outras grisalhas. E o rapaz andava sempre muito triste no Inverno, ao contrário do que sucedia no verão: a sua pele era morena, e o seu cabelo liso, e o próprio riso fazia-o despertar de manhã bem cedo.


A sua mãe preocupava-se muito com o fenómeno das mudanças; correu com ele um sem-fim de especialistas, que lhe faziam toda uma panóplia de exames e análises, e mandaram que engolisse milhares de comprimidos; de manhã, à tarde e à noite; só que os especialistas do Verão nunca concordaram com os médicos do Inverno; e os especialistas da transição só diziam coisas sem nexo, antes de concluírem agora, minha senhora, é preciso esperar para ver.


Até que um dia o rapaz que era dois desapareceu: passando numa rua habitual, sentiu duas mãos agarrá-lo para junto de uma parede branca. O mais estranho é que não eram só aquelas duas mãos que o agarravam; era também quem ia atrás daquelas mãos, alguém que afinal tinha muito mais do que duas mãos, tinha duas vontades. E de um momento para o outro, quando estava todo encostado à parede, à sua volta tinha crescido um estranho casulo.


A seu lado lá dentro, estava uma rapariga que era meio flor, meio lobo; queria florir na primavera e queria ser um lobo no inverno; queria ser verde e respirada pelos outros, e queria poder uivar nos promontórios; e não importava que o vento gélido retumbasse as folhas amarelas, nem a tristeza íntima de tudo.
Ele nunca mais voltou a sair daquele casulo, e ela também não; ficaram encostados a uma parede branca, pela qual passam diariamente milhares de pessoas, no meio delas a mãe do rapaz, cada dia mais triste, e todos os especialistas a caminho do hospital, muito preocupados com outros doentes que também era meio qualquer coisa, meio outra.

 
quinta-feira, fevereiro 16, 2006
  ELES


A: Achas que eles vão demorar muito mais?
B: Nunca se sabe.
A: Há não sei quanto tempo que tenho tudo pronto e fico sempre apalermada se me deixam à espera.
B: Pois; mas nunca se sabe.
A: Pareceu-me ouvir qualquer coisa aqui fora.
B: Como quê?
A: Não sei. Um ruído. Mas aqui o silêncio é tão espesso, que qualquer ruído se ouve.
B: Não serão eles, com certeza.
A: Porquê? Eu nem te disse como era o ruído...
B: Hm... Tenho a certeza que os ruídos deles serão muito mais... audíveis. E com certeza luzes também, não achas?
A: Claro. O universo é escuro. É sempre preciso de luzes; mais do que ruídos, até.
B: Muitas luzes.
A: Mas tu não ouviste nada?
B: Se fosse um cometa, acho que o teria ouvido; tal como uma matilha de cães selvagens.
A: Oh. Eles não são nem uma coisa nem outra.
B: Tu não sabes o que eles são.
A: Pois; por isso também não posso saber o que eles não são.
B: Eles podem até nem ser mais do que o que ouviste há três dias atrás: uma interferência qualquer; uma criança a brincar com o rádio do avô.
A: Mas eles prometeram vir aqui; prometeram que nos vinham buscar...!
B: E se calhar, se quisesses um chocolate, eles também to tinham prometido.
A: Não digas isso! Eles virão!! Eles...
B: Há semanas que ouves ruídos na varanda, e que sais à varanda, e que me perguntas se ouvi alguma coisa...
A: Acho que... Eles podem já estar aqui e nós não os conseguirmos ver. Eles podem estar a observar como nos comportamos...
B: Pois... (riso) E nós as duas podemos até já ter ido e voltado.
 
quinta-feira, janeiro 19, 2006
  OS PIJAMAS DO PEDRO

Tenho o verdinho de menino que é o de quarta-feira, tenho o amarelo às listas para terças e segundas, e tenho um azul nocturno e franjado de seda que é a delícia das quintas-feiras. Aos fins-de-semana é folga e escolho um qualquer. Isto está tudo no calendário na porta do frigorífico, ao lado do televisor, diante do sofá e ao lado a gata Mimi, que é porcelana e guarda a fotografia da titi, ao lado da fotografia do papá – a quem nunca limpo o pó não senhora ele que se arranje. E também a bonita cabana de colmo numa praia de areia branca e água azul, uma fotomontagem que me põe em Moçambique, mas eu nunca lá estive − digo-lho a si mas a mais ninguém.
É que na minha menina casinha, eu gosto de ver sempre tudo arrumado; e nunca se deve falar muito alto, não não, porque a vizinha Mariana ouve tudo e depois diz que não a deixo dormir. A culpa é deste maldito vício de falar sozinho; sou um coitadinho estúpido.
Mas os pijamas combinam com a minha casa, sabe? A minha casa é amarela, creme e branca. E às vezes ponho-me tal e qual como na invenção do turista quando me passeio pela casa, dizendo que bom que bom que bom! E mandei pintar o chão de vermelho debaixo da cama; mas isto também é segredo.
E faço todos os dias da mesma maneira. Voltei a casa, à noite, lavei os dentes antes de comer e depois de comer com pasta de dentes com travo a limão – uma gulosice. Só depois me ponho a rever o relatório dos números. Se os colegas do escritório vissem a cara de fastio que faço, só de olhar o relatório, era um perigo; uma chatice. Uma pessoa deve sempre pôr alegria no que faz, mesmo que seja uma chatice; e é preciso rever os números muitas vezes, não vão os números ficar aborrecidos e dar tudo errado no fim. Os números são muito sensíveis, sabe? Gostam de ser revistos e confirmados, e temos de estar sempre atentos, senão eles murcham e depois já não há nada a fazer. Dá tudo errado errado errado; e de nada serve levar as mãos à cabeça, nem imaginar grandes catástrofes. Elas estarão à nossa espera no dia seguinte.
Devo dizer que nunca consegui imaginar grandes catástrofes; só o chefe é que consegue imaginar grandes catástrofes, mais ninguém. Mas o certo é, quando as contas estão erradas, puxamos os cabelos e gritamos uns com os outros; fica-se sempre arreliado e no gabinete do fundo ajuntam-se os conspiradores que olham para mim, de sobrancelhas em alto. Mas ninguém trata os números melhor do que eu, que até aos registo em papel às cores e perfumado, com flores em volta como se de mim mesmo se tratasse.
Às vezes faço traquinice. Nesse dia, por exemplo, voltei-me para o relatório e disse-lhe que sim sim, mas não agora; sai de cima da minha mesa se faz favor. Agora quero a jarra de rosas de plástico e ficar olhar para ela. Por marotice, rego todos os dias as flores, mesmo sabendo que são de plástico. Depois é preciso despejar a água porque as rosas não a beberam. Mas talvez um dia me surpreendam.
Como aconteceu aliás ao filho da vizinha Aurora, que todos os dias fica à minha espera, à janela do rés-do-chão, para me dizer olá como está, já viu o que aconteceu, tenha um bom-dia. E contou-me que o cão do filho morreu atropelado, coitado. Só que ele con-fiava tanto na lei dos milagres que começou a regá-lo com água benta. Todos os dias; e o cão voltou a estar vivo − isto é inteiramente verdade! Eu também quis experimentar água benta com as minhas rosas, só que o padre apanhou-me a roubar água da pia com uma garrafa de água do Luso, e gritou sacrilégio!, e que me expulsava da catequese se voltasse a fazer aquilo.
Apeteceu-me pipocas, torradinhas e um copo de leite; e bolachinhas. Pu-las no tabuleiro cor-de-rosa que me ofereceu a titi, em círculo como as pétalas de um malmequer, e ao centro pus o copo de leite. E escrevi um poema bonito para oferecer à empregada do café; ela é sempre simpática comigo, mesmo até quando de manhã tem os olhos inchados e vermelhos, coitadinha. Eu já lhe disse para usar óculos escuros e disfarçar um bocadinho; e escrevi assim:

“Que lindo malmequer de mil pétalas
porque gosto de ti do tamanho de todas elas
e como todas juntas atá-las”

Atá-las parecia um pouco fora do sítio; não soava muito bem, mas mesmo assim deixei ficar. Mas foi então que aconteceu tudo; a terra teria tremido, pensei. As fotografias estavam fora do lugar e o papá estava torto − ele que se arranje! Mas a titi, coitada!
Quis então levantar-me para as arranjar e pôr o tabuleiro sobre a mesa; eu já tomo conta de ti, titi, dizia eu; e pronto, também de ti, papá. Mas havia pó em cima da mesa; e então a desgraça invadiu-me por primeira vez: onde podia eu pôr o tabuleiro? A titi ficaria pior que um touro se soubesse que sujei o tabuleiro de pó; mas como podia tomar conta das fotografias da titi e do papá, se tinha as mãos ocupadas no tabuleiro. Cairia ao chão se o largasse. E com isto tudo, acabei por pingar leite no pijama e no tabuleiro; tudo ficou sujo. O meu pijama de quarta-feira! Se ao menos pudesse poisar o tabuleiro nalgum sítio; se ao menos fosse fim-de-semana e pudesse trocar de pijama. Só que o calendário não deixa. Que desgraça me invadia; tudo feio tudo feio tudo feio. E sabe o que aconteceu depois? Estava uma poça de líquido amarelo ao lado da gata Mimi; ela tinha feito chichi e ainda por cima cheirava a tabaco!
Eu nem queria ver e fechei os olhos, pensando nada disto existe, vocês não fizeram nada, está tudo bem. Acalma-te, disse a mim mesmo; de olhos fechados é sempre mentira o que acontece de olhos abertos.
Mas a desgraça invadiu-me por segunda vez. Comecei a ver cornucópias dentro da cabeça, com pássaros e estrelas à minha volta; e vi a gata Mimi a andar de baloiço e a fazer chichi por todo o lado e a cheirar muito a tabaco. Era uma loucura continuar de olhos fechados mas não podia abri-los, pois não? Mas de olhos fechados as coisas más aumentam de tamanho; via-me e mim mesmo algemado ao tabuleiro e cheirava mal − cheirava a mim mesmo. Havia baratas a passear-se em cima de mim e a gata Mimi fazia-me caretas; a cabana de colmo ardia e o mar abriu a boca: começou a vomitar peixes e cornucópias e bolas de fogo e baratas. O papá prendeu-me a uma árvore e atou cordéis à minha pestanas, para que eu visse como batia com a cabeça numa parede. Não faça assim, papá; vai magoar-se. E a titi baixou as calcinhas em plena rua e – o que é que está a fazer, titi? Ainda por cima ria-se, sem dentadura, e da boca saíam-lhe cornucópias e baratas e peixes.
Eu não podia aguentar; olhei à minha volta e disse vou matar alguém; só já pensava nisso. Foi então que o ouvi dizer eu quero lá saber do tabuleiro e do pijama e do pó em cima a mesa; ele estava atrás de um vidro e imitava tudo o que eu fazia. Gritei-lhe a culpa é toda tua e já vais ver o que esta faca grande e bonita faz aos que se portam mal e sujam tudo; fiz-lhe toma toma toma.
Senti-me muito melhor depois disso; invadiu-me um delicioso cansaço e fui para debaixo da cama para não sujar tudo; o meu vermelho ia misturar-se com o vermelho do chão e ninguém daria por nada. Comecei a chupar no polegar e com a outra mão a tocar no… Já sei que não devia; a titi não deixa. Uma vez encontrou-me a tocar no… até tenho vergonha de dizer o nome, e ficou muito zangada. Corremos logo a pedir desculpas a todas as estátuas da igreja.
No meio daquilo estiquei o braço para o telefone, em cima da cómoda, e liguei à titi; “Não, titi, eu não toco no… Sim, titi, eu lembro-me do que aconteceu da última vez que toquei no… sim, até a gata Mimi se assustou com o barulho, o prédio inteiro acordou… mas olha, estou debaixo da cama. Sim, tenho um cobertor para não apanhar frio… Não precisas vir, titi; eu estou bem.”. Mas ela veio; e ainda bem. Senão não tivesse vindo, eu morria com o pijama sujo e deixava uma confusão enorme à minha volta.
 
segunda-feira, janeiro 16, 2006
  INSIDE

CAVALO: E que fazemos agora?
CAVALEIRO ATADO: Não sei. Podemos fazer o mesmo que sempre fizemos…
CAVALO: Ou seja, não fazemos nada.
CAVALEIRO ATADO: Não fazemos nada; exactamente.
CAVALO: Como sempre.
CAVALEIRO ATADO: E que querias tu que fizéssemos?
CAVALO: Fazer já era um bom fim em si mesmo; o problema não está no que fazer, mas sim em fazer ou não fazer.
CAVALEIRO ATADO: E qual é o problema de não fazer? Se eu fosse daqueles que faz, não precisava de ti para nada.
CAVALO: Pois não; e eu poderia ir-me embora de uma vez por todas. Começo a ficar cansado de viver aqui dentro.
CAVALEIRO ATADO: Mas tu nasceste para viver aqui dentro; vives aqui dentro há mais de vinte anos.
CAVALO: Achas que um comprimido azul me faria desaparecer?
CAVALEIRO ATADO: Hm, o comprimido azul não me parece boa ideia; sempre ouvi dizer que a coisa não é nada agradável quando acordamos. Estamos mergulhados naquela massa viscosa, com o cabelo rapado e cheios de tubos; e depois não há por exemplo gelados de limão; nem iogurtes de limão; e não há vaselina, lembra-te disso.
CAVALO: Pelo menos seria a realidade; seria diferente. Não estaríamos sempre a fazer as mesmas coisas; e alguém nos disse que se pode andar de nave espacial.
CAVALEIRO ATADO: Não é uma nave espacial; é uma nave que anda dentro dos canos de esgoto; de certeza que cheira mal e tudo. E eu não gosto de coisas electrónicas.
CAVALO: Tu? Não gostas de coisas electrónicas? Essa é boa; é como dizer que não gostas de ficar ao longe, ao olhar, não fazendo nad…
CAVALEIRO ATADO: E não gosto! Há uma grande diferença entre aquilo que se faz e aquilo que se gostaria de fazer. Eu gostaria de não ficar ao longe.
CAVALO: Então…
CAVALEIRO ATADO: É complicado; não insistas. Eu cá prefiro assim, fazer como sempre fizemos. Apanhamos o metro, voltamos para casa, preparamos um jantar… Ultimamente cheira um pouco mal no metro, não cheira?
CAVALO: Cheira? Eu não dou por nada. Aqui dentro não há cheiros, lembras-te? Aqui dentro está tudo atulhado de heróis intrépidos e heroínas frondosas – um pouco enjoativo, diga-se; mas é o que se arranja.
CAVALEIRO ATADO: Nunca vi um cavalo queixar-se tanto.
CAVALO: Eu também nunca vi um cavaleiro atar-se tanto.
CAVALEIRO ATADO: Não digas nada! Um dia destes troco-te por uma espada.
CAVALO: Era só mesmo o que nos faltava: uma espada. E que farias tu como uma espada, queres dizer-me?
CAVALEIRO ATADO: Nada.
CAVALO: Ah, estou a ver...
CAVALEIRO ATADO: Sempre remediava por uns tempos; e depois trocava por outra coisa.
CAVALO: E porque não uma batalha inteira; e porque não já ganha e tudo?
CAVALEIRO ATADO: Sim; porque não? Deixa ver…
CAVALO: Eu não estava a falar a sério!
CAVALEIRO ATADO: Não? Mas deste-me uma ideia. Sim… Uma espada que…
CAVALO: Pára.
CAVALEIRO ATADO: Sim! Que fosse capaz de matar três de uma vez! Eu era o cientista brilhante que a tinha inventado, e ao mesmo tempo partia para…
CAVALO: Para com isso!
CAVALEIRO ATADO: …para a guerra! Contra os alemães! Eles com tanques e metralhadoras e eu com uma espada!
CAVALO: Já te disse. A minha cauda! Que é que fizeste à minha cauda!!
CAVALEIRO ATADO: A tua cauda é um radar contra os mísseis V2.
CAVALO: As minhas patas!
CAVALEIRO ATADO: Se vai ser uma espada, não precisas de patas; serás uma espada voadora!!
CAVALO: Não! Pronto; ganhaste! Vamos para casa!
CAVALEIRO ATADO: Como?
CAVALO: Vamos para casa! Vamos para casa!
CAVALEIRO ATADO: E quem é que manda?
CAVALO: Tu! Tu é que mandas!
CAVALEIRO ATADO: E quem é que vai tomar o comprimido azul?
CAVALO: Ninguém! Ninguém!
CAVALEIRO ATADO: E o que é que vamos fazer?
CAVALO: Vamos fazer o que tu quiseres!
CAVALEIRO ATADO: Assim já nos entendemos; cavalinho bonito.
CAVALO: Podes devolver-me a minha cauda?
CAVALEIRO ATADO: Já lá iremos.
CAVALO: Podes pelo menos coçar-me atrás da orelha, que a conversa que está a causar um prurido atrás da orelha?
CAVALEIRO: Não. Vais ficar com essa comichão para aprenderes a não me contradizer.
CAVALO: Como?! Mas eu…
CAVALEIRO ATADO: Aliás, o meu terapeuta disse que ninguém me pode contradizer durante os próximos cinco meses.
CAVALO: Que conveniente, pá! Que conveniente! Mas porque é que não aceitei o lugar de maçaneta da casa daquela velha?! Só me calham…
CAVALEIRO ALADO: Só te calham… quê?
CAVALO: Nada. Boas pessoas.
CAVALEIRO ALADO: Óptimo! E trata pois de me animar, que ultimamente também fazes sempre a mesma coisa.

 
  tomei a pílula e lavei-me




"deixa-me então contar-te como fiz no sábado, que tu nem água nem fogueiras nem nada. aquilo até ia começando bem: desci de metro até casa e levávamo-nos pelo braço um ao outro, eu e o sol das nove da manhã primavera; e enquanto latejavam alguns pontinhos pelo meu corpo todo, o cansaço transformava-se em prazer, ao mesmo tempo que me deixava cair em cima do sofá.

e nada mais simples: bebi água porque estava com sede. é curioso como parece às vezes que na garganta também certos pontinhos ficam excitados, quando a água fresca escorre pelo canal. é como se a água descesse ao baixo-ventre em queda livre, passando para lá do estômago; uma cascata que fizesse do fresco quente e do molhado húmido.

assim, já mais descansada e depois de alguns momentos de vazio total, fui ao quarto apanhar no teu corpo. tu dormias despido e caprichosamente as tuas ancas escondiam-se debaixo do lençol de linho grosso que compráramos em tanger - há mais ou menos um ano atrás. estavas bonito, pensei para comigo; e destapei-te de chofre enquanto despia o casaco, e fiquei à espera que o frio do quarto te despertasse; à espera que encarasses a carne dos meus ombros e do meu busto, adivinhando-me as mamas debaixo da camisola, e visses como este é o único calor que importa, mais forte que o sono, e com o tamanho de trinta cavalos irritados. no entanto, pelas costas já me agulhavam as notícias do trânsito, na televisão; imagina tu, o trânsito! porque é que o aparelho está sempre ligado cá em casa?, perguntei-te; e enquanto eu me abeirava de ti para te ouvir respirar, pondo-me ao lado da cama, vi como o teu olhar já resvalava de um sono para outro sono, policromático, e me fugia a raspar pelas braçadeiras e cabelos que construí lentamente. e que tu nem vias: a cabeça teimava esquivar-se com os seus olhos, para pôr-se num enquadramento melhor. e eu, que calcorreei meia cidade, trazendo comigo o sol para despir-me contigo, fico paralisada. por momentos muito sozinha. não tenho com quem falar, nem para quem despir-me. lembro-me de um filme onde mostravam que uma televisão, para uma criança de poucos meses, não é diferente de uma máquina de lavar roupa a trabalhar, e com um rádio ligado em cima. é o chamamento dos barulhos, parecia-me. só que, meu amor, já não estás na idade de seres essa criança, fascinada com a reprodução dos ruídos. e não há forma de o dizer de melhor maneira: fode-me. não ponhas nenhuma questão, nem ponhas os gestozinhos do demónio tímido quando se põe com marotices. vivemos aqui há tanto tempo.

sim, tomei a pílula de hoje, tomei a do dia seguinte, lavei-me no sexo, no pescoço e nos braços, e deitei algumas gotas de essência, como tanto tu me gostas. esta é a minha carne, gritei-te exasperada um pouco e desculpa-me; é a minha carne e tu agora agarras nela sim senhor!
 
quinta-feira, janeiro 12, 2006
 
está quase, quase, quase, quase...
 
quarta-feira, dezembro 21, 2005
  Entretanto, Só para entreter....
 
terça-feira, dezembro 20, 2005
  AVISO
depois de uma conversa natalícia, chegámos à conclusão de que precisamos meter férias no CAIXA DOS FÓSFOROS, bem como de muitas outras coisas que, para o caso, não importam absolutamente nada (eu é que gosto de desperdiçar palavras, enfim). mas a gente depois avisa quando houver desenvolvimentos. pedimos muitas desculpas pelo incómodo; e espero sinceramente não haver muita gente agarrada aos cabelo, a pensar no que vai ser da sua vida sem nós. para estas pessoas, gostava de garantir que a vida não é, nem pode ser, a caixa dos fósforos. uma caixa de fósforos serve apenas para acender o fogão; e por mais vital que a função possa parecer, há sempre outras soluções; e mais que isto, bom natal a quem de direito.

A
TEN
CIOSA
MENTed.
 
terça-feira, novembro 22, 2005
  Esta Noite tive Dois Sonhos

Os meus olhos ardiam olhando para uma fogueira, era de noite, e de repente tu chegavas num carro de bananas; não me perguntes o que isso seja. A imagem não era clara; mas eu entendia-a como um sendo um carro cheio de bananas. Sei que estávamos acampados na floresta amazonas e que, antes de chegares, tinha por companhia dois índios brasileiros (dois homens, creio), que falavam um português perfeito, sem nenhum sotaque; não me perguntes porquê. Depois foi quando enfim te aproximaste, e para meu espanto e também dos meus dois companheiros, começaste a esbracejar disparates como uma louca. Dizias coisas em alemão; dizias muitas vezes achtung, nein, e mais ich não sei o quê; falavas ininterruptamente e apontavas em muitas direcções. Eu não sabia falar alemão; tal como na realidade não sei...

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O certo é que os companheiros índios se aborreceram com isso, acho eu, levantaram-se e foram-se embora. E como se se tratasse de uma constatação por demais evidente, nesse mesmo momento aproximaste-te um pouco mais, abriste os braços e disseste-me que não não, o café é realmente amargo! Não me lembro do que aconteceu entretanto, mas sei que a determinado momento estávamos metidos numa excursão de velhos, num dos bancos mais traseiros de um autocarro, e íamos visitar a Torre de Belém. Não tínhamos envelhecido nem nada; apenas estávamos numa excursão de velhos. Tu tinhas postos os teus óculos escuros e dormias com a boca aberta, numa posição com certeza desconfortável. E na parte da frente do autocarro, havia duas velhas a rir estridentemente, a bater palmas e a dar cotoveladas no condutor, que sempre lhes respondia o mesmo: despache-se, senhora. Também se ouvia velhos a cantar músicas alegres, embora não os pudesse ver. Só que de repente, o tecto do autocarro desapareceu e nós os dois fomos sugados de ali para fora. Estávamos a voar. E olhando lá para baixo, via-se a Torre Eiffel e um pouco mais ao lado o museu do Louvre, em cuja praça (naquela pirâmide de vidro; não me lembro do nome), caía um sol de princípio de inverno, muito amarelo e delineando muito bem as coisas, tudo o que fosse vidros e rebordos de metal, principalmente. E a cúpula do céu era um ecrã enorme, onde surgíamos nós os dois. E tu estavas morta (aparecias de pé, a meu lado, só que eu sabia que estavas morta); e eu dizia-te zZzZ, dorme bem, minha abelhinha.

 
Este blog é um jogo de fogo cruzado. é uma guerra criativa, um picardius continus imaginatus. o escritor escreve imagens como pode, a ilustradora desenha palavras como vai podendo - com F e sem f. DOIS JOGADORES por aí fora...

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